Construção da Identidade

Fragmentos retirados do livro Síndrome de Down A- Z (Editora Saberes)

Identidade

A identidade é uma necessidade básica do ser humano. Poder responder à pergunta “Quem sou eu?” é tão necessário como afeto ou comida. Como disse Erich Fromm: “Essa necessidade de um sentimento de identidade é tão vital e imperativa que o homem não poderia ser saudável se não encontrasse algum modo de satisfazê-la”. A identidade é uma necessidade afetiva (sentimento), cognitiva (consciência de si próprio e do outro como diferente) e ativa (o ser humano tem de tomar decisões fazendo uso de sua liberdade de vontade). A identidade é como um selo de personalidade. É evolutiva e está em continua mudança. Não se trata de uma característica dada, mas que se desenvolve e faz parte da historia de cada individuo.

Características gerais

Como construímos nossa identidade? Que idéia temos de nós mesmo? Um bebe é uma pessoa, um ser humano em projeto que tem que realizar um trabalho de se constituir como sujeito. A criança se vê tal como foi vista e se identifica com a imagem que o outro tem, e essa primeira identificação sustenta o desenvolvimento do EU. À medida que vai crescendo, a criança vai recorrendo à imagem que oferecem os demais e, juntamente com a percepção que tem de si próprio, vai configurando sua identidade, se conhecendo e reconhecendo. A criança então sabe se é esperta, grosseira, simpática, sensível ou tímida e vai construindo uma imagem de si própria que vai servir para enfrentar a vida, as relações afetivas no trabalho, de uma maneira ou de outra. Vai servi ainda para criar seu projeto de vida. Formar uma identidade é estabelecer um centro de gravidade em torno de si mesma, isto é, que vai alem das mudanças internas e externas; além de novos conhecimentos e saberes que o indivíduo incorpora existe um EU relativamente unificado, que nos proporciona um sentimento interno de unidade e nos diferencia dos demais.

Síndrome de Down

Quando nasce uma criança com SD, a deficiência dificulta-lhe encontrar a criança que há por trás da síndrome impedindo-a de enxergar a normalidade. Se ela se identifica com a síndrome surge à pergunta “Como são essas crianças?”. Isto é, no momento do nascimento, a identidade se dá por meio da deficiência, por que o conceito de deficiência se antepõe ao de “normalidade”. No entanto, além da deficiência há uma criança que necessita da mesma coisa de todas as crianças: que alguém brinque com ela, que aproveite a brincadeira, que tome conta dela, que a valorize, pois ela esta submetida aos mesmos princípios básicos de todas as crianças para sua constituição como sujeito psíquico. A criança com SD, como qualquer outra, constrói sua identidade com base na percepção de si mesma e no que recebe dos demais. Existem três elementos imprescindíveis na conquista da identidade: O reconhecimento da deficiência e o descobrimento das capacidades e a constatação das múltiplas diferenças existentes entre o coletivo de pessoas com SD. A análise das similitudes e das diferenças é o elemento fundamental para construção da identidade. Na medida em que cada um possa refletir sobre as características pelas quais se parecem ou se diferencia dos demais nos diversos grupos dos quais faz parte, poderá descobrir pouco a pouco sua própria singularidade.

Sinais de Alerta

A identidade leva consigo a concepção de sujeito ativo. No entanto, nem todas as pessoas com SD chegam a ser sujeitos ativos de sua própria vida. E, possivelmente, essa dificuldade não se deve a deficiência, mas a automatização e a exigência a que os submetemos que acaba sufocando seu desejo e pode levá-los a se desconectar de sua vida afetiva. Constantemente dizemos o que eles têm que fazer e como fazer. Trabalhamos hábitos, atitudes, normas, para que aprendam, e nos esquecemos de escutar e nos interessar por suas inquietudes, sentimentos e emoções, esperando sempre uma adaptação, uma integração por parte da pessoa com deficiência. Uma síndrome é um conjunto de sintomas que define uma alteração. Uma pessoa com deficiência, mesmo que tenha recursos suficientes, se não é concebida como capaz de saber se si mesma, permanecerá alienada no outro e dificilmente poderá se diferenciar de seus pais ou se tornar sujeito com desejo próprio. Existem vários sinais de alerta que podem nos levar a pensar que esta criança com SD não esta configurando sua identidade de maneira saudável:

 

  • Um desejo excessivo de agradar que se manifesta no fato de não emitir opinião própria, mas a que o outro deseja ouvir;

  • Humilhação excessiva, dificuldade de dizer “não”, de impor limites, diante da demanda de algo que sabemos que não é correto;

  • A falta de desejo de aprender porque talvez pense que não é capaz de fazer;

  • A falta de atitudes de oposição na adolescência já que a etapa das reivindicações, da verdadeira crise de identidade;

  • O afastamento de outras pessoas com SD, pois implica afastamento de si próprio;

  • Toda falta de iniciativa e de manifestação de desejos, o automatismo e a falta de projetos de futuro.

Orientações preventivas terapêuticas

Para assumir quem somos e como somos, necessitamos de alguns pontos de referencia que, em geral, nos são dados por outros. O que se espera de um individuo, o projeto de futuro, de vida, as expectativas do outro, são fundamentais para o desenvolvimento da personalidade. A criança com SD, como todas as outras crianças, deverá descobrir seus recursos e possibilidades e não vai se beneficiar se vê tudo resolvido. Prejulgá-la como incapaz e olhá-la com desprezo vai inutilizá-la e paralisar seu desenvolvimento.

As crianças crescem aprendendo a tolerar as frustrações, e assim amadurecem e se tornam adultos. A superproteção e o engano impedem o crescimento e instala o ser humano no infantil e na alienação, na incapacidade.

É muito importante trabalhar a identidade, ajudar a criança a descobrir como é, quem é, quais são suas dificuldades e capacidades.

Entre uma criança com SD e outras sem existem muitos mais semelhanças que diferenças. Não devemos definir ninguém pela síndrome. O comum entre as pessoas com SD é a predisposição a certas doenças, alguns traços físicos determinados e atraso intelectual leve ou moderado. O restante é intrínseco a cada pessoa: caráter, estilo de relacionamento, aceitação de si mesmo, capacidade de tolerar frustração, de aprender, fazer amigos, e se posicionar no mundo – aspectos concretos de sua identidade, de sua maneira de ser.

Uma boa maneira de trabalhar a identidade é em grupos terapêuticos. Um grupo de colegas com as mesmas características pessoais oferece um ambiente muito adequado para o aparecimento, a expressão e a reflexão de tudo que supõe para o sujeito que tem uma deficiência.

Encontrar colegas com quem possa compartilhar essas experiências da vida cotidiana relacionadas à deficiência (ser grosseiro, sentir-se afastado, confundir-se, expressar-se mal, sentir que possuem dificuldade) facilita a expressão e o reconhecimento destes aspectos pessoais. Da mesma forma, os sujeitos observam – dentro do grupo – as capacidades e possibilidades de seus membros. Analisam e refletem sobre o que cada um deles pode fazer como é e o que gosta. Desta maneira, comprovam que existem tantas diferenças entre eles como em outros coletivos e também comprovam que as pessoas com deficiência são diferentes entre si.

O grupo se reuni para fazer um trabalho criativo e para enfrentar as dificuldades psicológicas de seus membros. Cada um sente que precisa cooperar, participar e contribuir com sua opinião. Isso facilita a socialização e gera laços que permitem ao individuo se conhecer mais e, inclusive, continuar a relação em outro contexto.

Pertencer a um grupo tem em si uma função terapêutica relacionada com os aspectos mais saudáveis de pertencer a um grupo na vida rotineira (por exemplo, de esporte, de turismo de classe). O sentimento de fazer uma coisa em companhia de outros, o fato de se envolver em uma tarefa comum tem efeito construtivo e terapêutico.

Devemos fazer o possível para que as pessoas com deficiência tenham um projeto de vida e possam construir uma identidade baseada em suas capacidades. Devemos reconhecer e respeitar os tempos de crescimento e aceitar uma condição no lugar de uma eterna infância.

Se estamos convencidos que as pessoas com deficiência tem possibilidade de crescer e formar parte ativa da sociedade, é certo que são capazes de fazê-lo. De fato, já nos tem demonstrado que podem levar uma vida bastante autônoma, trabalhar em empresas normalmente e, inclusive, viver independentemente de suas famílias, sempre que recebam a confiança e apoio necessário.